Thursday, 2 December 2010

Comfortably Numb

O sentimento de familiaridade me traz conforto. Aqueles corredores, abarrotados de pacientes, gente sofrendo, sangrando, me traz conforto. Não me leve a mal, eu sou humana. Passo por uma vovó em pele e osso, fraca, encostada na parede. E meu coração dói.

Por um momento vacilo e me lembro da fragilidade humana. Me lembro que não é uma barriga, um tumor de cólon, uma vesícula inflamada. É um corpo tremendo à noite, contra uma parede gelada, em uma emergência fria. Mas nunca será indiferença.

Com uma convicção que não se tem às 3 da manhã, checo o acesso dela. Sim, está pérvio. E ela está aquecida. Vou até a sala de prescrição, revejo o prontuário dela e busco no balcão da enfermagem a prescrição. Satisfatório - pelo menos a parte que está legível. Ajusto mais uma vez o travesseiro dela e me dirijo ao estar médico. É o que eu, acadêmica, posso fazer por ela esta hora da madrugada, me convenço. E tem que ser o suficiente. Já não me torturo mais. Pelo menos não tanto.

Antes de atravessar a porta, me detenho por uma fração de segundo, olho por cima do ombro e vejo a vovó. Sorrio empanzinada. Meus olhos passeiam mais uma vez pelo familiar corredor, confortavelmente familiar. Então vejo os doentes em macas espalhadas nos corredores, como a vovó. Esquecidos e calados como as horas das madrugadas que tantas alegrias me trazem. E seus acompanhantes, amontoados aos cantos, mostram a angustia da desinformação e desgaste mesmo em sonho. Meu sorriso torna-se uma careta de um não-sei-o-quê com alguma-coisa-mais.

Aquela madrugada arrastada já estava indo embora, levando meu familiar conforto junto com ela.

O segundo se passou. Olhei para a vovó mais uma vez e fui dormir.

Quem sabe num próximo plantão.

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